Spill the wine and take that ‘MALT’
Memorandum...
Dia: 03 de agosto de 2013.
Local: Área externa do Museu Nacional da República
Encerramento do Festival de Música Candango Cantador
(Por Tecàrius Neves)
Chegamos – Áteus Làgus, Olivetis Boogie, Tofàres Ervas, Lilamaio e eu – ao Museu Nacional da República, por volta das 22h30, em uma situação um tanto quanto tresloucada... “GUILHEEEEEEEEEERME”... Tresloucada e com uma pitadinha de psicodelia, pra fazer jus ao que todos aguardavam (avidamente!) neste dia... Pois, a banda responsável pelo encerramento do Festival é, nada mais, nada menos, do que Os Mutantes!
Podemos dizer que, antes da “treslouquice” já citada, a loucura teve início um pouco antes... Apesar de se tratar de cotidiana, não podemos desconsiderá-la até que cheguemos no ponto em que as coisas se desenrolem de fato... “CADÊ MEU BEBÊÊÊÊÊ”... Para um melhor entendimento, voltemos algumas horinhas... duas já tá de bom tamanho... Por volta desse tempo, ou seja: 20h30, eu ainda me encontrava em casa, sentado no sofá...&... no braço do sofá, o rato wireless estava no controle do habitat remoto... Assistia um vídeo do Eric Burdon & War, em que tocavam “Spill the Wine”, enquanto eu combinava pelo celular com o Tofàres de nos encontramos pra irmos ao show da noite... Combinamos o horário e local onde ele me buscaria e daria carona... bebi o resto de um vinho que estava na geladeira e fumei um cigarro na janela da cozinha, onde, do quinto andar do prédio, jogava fumaça para o alto e pensamentos para baixo, admirando o vaivém da cidade... Derramei as últimas gotas da garrafa de vinho pela janela, como a música que rolava logo ali na sala ainda propunha... Cantarolei a música que já chegava ao final, “Spill the wine and take that pearl”...&... olhei pro relógio preso na parede da cozinha, notando que já era hora de sair do meu remoto habitat...
Pouco tempo depois, eu já me encontrava em uma distribuidora de bebidas, localizada na Av. das Palmeiras, em Taguatinga, aguardando a carona do Tofàres... Para aliviar a espera, comprei uma garrafinha do uísque nacional, Natu Nobilis – costumeiramente tratado por nós como “ruim porém bom” –, e comecei a dar uns goles... Após umas quatro ou cinco talagadas do malte (daqui pra frente, chamemos apenas de “malt”, por uma alusão singela à “maltratado”, ok?), chegam o Tofàres Ervas e sua namorada Lilamaio...

Chegando lá, Olivetis Boogie e Áteus Làgus já estavam de prontidão nos esperando... Descemos do carro, nos cumprimentamos e aproveitamos pra passar em outra distribuidora bem ao lado de onde havíamos estacionado... Compramos umas cervejas... Retornamos ao carro e zarpamos, finalmente, para o Museu... Num piscar de olhos, já estamos na EPTG, rumo ao nosso destino... Fluxo tranquilo, indiscutivelmente o oposto de quando se está na hora do rush nessa mesma Estrada Parque... Acendemos nosso “cigarro do artista” e, pouco depois, já chegamos ao Museu... Gastamos mais um tempinho procurando algum lugar pra poder estacionar (um problema que muitos passam em diversos pontos do Plano Piloto - não é a toa que estudos mostram que Brasília é uma das quatro regiões metropolitanas que, em dez anos, mais do que dobraram a frota de automóveis [alguns até apelam para que a bicicleta se torne um meio de transporte prioritário, pra angariar uma melhor locomoção dentro da cidade. Isso, certas vezes sai de maneira até engraçada - como cheguei a presenciar o então reitor da UNB, José Geraldo de Sousa, fazer em 2010 durante uma palestra do físico brasileiro Marcelo Gleiser, meio a uma manifestação de um movimento grevista que havia parado a UNB. A ideia dos apelos, que ainda existe, é priorizar a bicicleta ao invés dos carros... Inevitavelmente, a teoria ocorre meiga como um sonho, já a prática poluente como a realidade do viver contemporâneo.].)... Por fim, conseguimos estacionar (longe de onde queríamos) e abrimos as portas suntuosas da sauna ambulante… Chegamos, como eu disse que chegaríamos anteriormente, onde as coisas vão se desenrolar...
Doravante voltemos ao fluxo da “treslouquice”... “GUILHEEEEEEEEERME, MEU BEBÊ!!!”... Com essa desvairada frase, a gente é recebido enquanto subimos em direção ao Museu, de onde já se ouve, baixinho, alguma banda tocando... Qual deve ser? Espero que não seja Os Cachorros das Cachorras, banda do caralho da década de 90, do brilhante Gérson de Veras (ou KaphaGérson, como ficou conhecido)... Mais passos são dados por nós em direção onde o palco foi montado – atrás da entrada do Museu – e continuo me perguntando, “que banda é essa que tá rolando?”... Vou ajustando os ouvidos às ondas sonoras que se aproximam cada vez mais quando de repente… “CADÊ, CADÊ, CADÊ MEU BEBÊÊÊÊÊÊÊÊ”... Todos nós olhamos pra traz no ato, e vemos uma mulher, já a poucos metros de distância, completamente chapada e gritando por algum suposto neném chamado... “GUILHEEEERME”... Ela não pára de gritar as mesmas coisas e isso começa a incomodar outras pessoas que também estão no mesmo trajeto que a gente... Pelo modo altamente perturbado de falar e pela fisionomia quase esquelética, deve ser usuária de crack... “Em quantidade, existe mais crack ou carros em Brasília?”, fico pensando enquanto ela vem se aproximando agoniada... De duas uma, ou ela perdeu o filho por diversos motivos (ter perdido a guarda pelo consumo da droga ou até ter engatado nesta por ter perdido o filho) ou ela tá em uma lombra altamente pesada em que acredita ter perdido um bebê que nem sequer existe além do que germina na “barriga” da latinha e é parido pela “boca” da mesma... “MEU BEBÊ É LINDO, É BRANQUINHO, É ADVOGADO”... O bebê, pelo visto, não é tão recém-nascido quanto imaginei que fosse, começo a acreditar na minha segunda teoria... Ela passa a andar do nosso lado repetindo e repetindo o que já repetia por muito tempo... Ela, então, acelera o passo e começa a gritar pelo “bebê” enquanto se aproxima de um casal a nossa frente que, por alguma discriminação social ou trauma de nenéns que engatinham no plano metafísico, sai correndo... E a “mamãe” sai correndo atrás deles... Coisa louca... Pois é, como diz uma música infantil que ta rolando por ai: “Quando a gente fica aperreado: bolacha de água e sal!”... E lá se vai a nossa tresloucada...
Tiro o “malt” do bolso da jaqueta e dou uns goles... O fumo, de há pouco, tava no seu momento de ápice e eu só conseguia ficar pensando em o que diabos tinha acabado de rolar... Quando me toco, estamos quase ao lado do palco e observo que nenhuma banda tá lá em cima, estava rolando apenas o som mecânico... O festival, como na maioria dos que rolam lá, pra quem já conhece, é cercado por umas grades, impossibilitando que as pessoas possam entrar sem que seja pela entrada fornecida... Ainda do lado de fora, próximo a essa entrada, Tofàres encontra alguns conhecidos e vai conversar com eles, já Áteus Làgus vai comprar cerveja nas tendinhas que circundam as grades... Enquanto isso, Olivetis Boogie e eu ficamos observando os figuras ao nosso redor... Estamos numa boa pescando pessoas no mar... “Olha que camisa esparrada”, diz Boogie apontando para um cara com uma camisa em que está estampada uma cartela de LSD, da famosa Bike (pra ser mais específico: aquela com uma montanha que lembra a da Paramount Pictures entre uma lua e um sol, e, no centro, um ser altamente frito pedalando uma bicicleta)... Coincidentemente, ele e o Áteus Làgus haviam “dropado” um desse um pouco antes...

Enquanto isso, lá no palco, observamos uma banda se preparando pra tocar... The Neves (tnb.art.br/rede/theneves)... Banda de 2009 que vem se destacando cada dia mais na cidade, principalmente por meninas que gostam de letras melosas - leia-se: letras sobre amor... No primeiro álbum, intitulado “Nunca mais, por enquanto”, é possível apreciar um som com instrumentais muito bem trabalhados e tendo como um dos maiores destaques da banda, a voz do vocalista Rodolpho Neves (mais conhecido por Don Neves)... Se ignorar as letras melosas (ou bobas, como uma das músicas traz assumidamente o título “Poema Bobo”), a sua voz segura, tranquilamente, as pontas... Essa voz, com influências de Thom Yorke à Matthew Bellamy, chegou a ser transmitida em cadeia nacional no programa The Voice Brasil, em que Don Neves cantou Garota de Ipanema de forma inovadora, o que pareceu um sacrilégio para ultra-conservadores do “MPBismo”, incluindo os jurados do programa, que limaram a canção unanimemente... Rapidamente, entramos e nos aproximamos da mesa de som pra apreciar a apresentação da The Neves, que tocou a música Polifônicos (que fala sobre dois celulares apaixonados... apesar da letra se enquadrar como melosa/boba, a letra é bem elaborada para o tema)... A apresentação do grupo é excelente e o Don canta, praticamente, como é possível ouví-lo no CD...&... eles saem do palco ovacionados, com razão... Todos se apresentaram muito bem, inclusive o “novo” guitarrista, Fernando Jatobá, que entrou de vez na banda pra substituir o Esdras Costas (que ficou conhecido por John Neves, durante sua estada na banda)... Este, toca hoje numa banda, de Goiânia, com pitadas de Folk chamada Shotgun Wives (tnb.art.br/rede/shotgunwives), já aquele, além da The Neves, toca também com o Móveis Coloniais de Acajú, com o Dillo Daraújo e com o Paradiso (projeto com o Dillo, André Noblat, Thiago Cunha e Diego Marx)... Jatobá também foi guitarrista da banda Brown-Há, que atualmente está, infelizmente, em hiato...

Enquanto esperamos a troca de bandas, aproveitamos pra fumar mais um “cigarrinho do artista”... Passamos a bola aqui, a garrafa de vinho ali, a de “malt” acolá... Ah, se não fossem essas “guloseimas” e os Marlboro’s... Após uns 10 ou 15 minutos, começamos a ficar aflitos... A música eletrônica que era tocada parecia ser eterna... Vinte minutos e a música parecia não mudar, sinto muita dificuldade em perceber a diferença de uma música eletrônica à outra, dependendo do caso... Existe música eletrônica de altíssima qualidade... Ali, naquele caso/situação, eu juro que não sei afirmar se a música mudava ou não... Começávamos a orar pra que a próxima banda entrasse logo... E após mais alguns minutinhos, nossas preces foram ouvidas, e a próxima banda que subiu ao palco foi O Bando da Sara... Eu não a conhecia e acabei gostando da música que apresentaram (“Vento e Furacão”)... A banda, apesar de saída do berço (de 2013), mostrou um trabalho de responsa... Um detalhe que acabei esquecendo de comentar: cada banda apresentaria apenas uma canção... Ou seja, tanto tempo de espera pra ouvir 4 minutos de uma banda... Entre nós, falamos que os produtores bem que podiam ter estendido isso ai um pouco...
Mas como não foi... Hora da tortura mais uma vez... A música eletrônica começa novamente... Acedemos mais uma erva, matamos a garrafa de vinho, e começamos a conversar (gritar) sobre qualquer merda pra ver se o tempo passa mais rápido enquanto a outra banda entra... Falo sobre a galera da Cultura Racional que se reúne todo sábado no Conjunto Nacional... Lembro de um cara lá desse esquema que afirmou que, em breve, veremos as pessoas levitando por ai... Começamos a rir, mas quando conversei com o tal cara até que me contive, dei apenas um sorriso de meia boca... Cheguei até a comprar o livro “O Universo em Desencanto”... Vai que ao ler, eu passaria a saber o que é o encanto e, ainda por cima, salvar o desencanto... Em um vídeo, o Tim Maia, muito sapiente, disse que é um ótimo leitor, chegando a ler duas páginas por semana... Creio que ele abandonou a ideologia Racional após ficar sabendo que, após tanto sofrimento, leu apenas o primeiro volume de 21... O livro, inclusive, deve ter influenciado bastante o som mecânico da noite, já que ficar repetindo a mesma coisa várias vezes é tratado como um dogma...
A próxima banda que se prepara pra tocar é, finalmente, Os Cachorros das Cachorras (tnb.art.br/rede/oscachorrosdascachorras)... Eles tocam uma música inédita, provavelmente faz parte do material para um novo álbum... Apesar de diferente do que eu estou acostumado a ouvir deles, eu me amarrei bastante nesta música... A nova formação mantém a qualidade da banda... Destaque para as vestes do KaphaGérson, que sempre surpreende, quando o quesito é vestimenta... Blazer branco, camisa rosa, calça vinho e um chapeuzinho estiloso... O som saiu uma beleza, o Festival tá de parabéns (tirando a parte em que as bandas tocam só uma música e, obviamente, a parte da música eletrônica que perdura)...

Chegando lá, ficamos à espera do mestre Sérgio Dias e seus mutantes atuais (Dinho Leme, Bia Mendes, Vinícius Junqueira, Vítor Trida, Henrique Peters e Fábio Recco)... Enquanto dou mais um gole do “malt”, que vai chegando ao fim, Sérgio Dias surge diante dos meus olhos, através da garrafa transparente... Imaginei seu irmão (e um dos meus maiores ídolos), Arnaldo Baptista, vindo ao seu lado... Seria do caralho... Seria... Mas o Sérgio tava ali, a uns 4 metros de distância, e a porra ia ficar louca quando a primeira nota começasse a soar...
Dito e feito... A loucura, incontinenti, começou... Os Mutantes agitaram a noite com músicas clássicas como “Top Top”, “Bat Macumba”, “Jardim Elétrico”, “Panis et Circenses”, “Balada do Louco”, “Ando Meio Desligado”, “Baby”, a pesadíssima “A Hora e a Vez do Cabelo Nascer (Cabeludo Patriota)”... Todos cantaram uníssonos, momento lindo... Entre essas clássicas, a banda apresentou também, assim como anda fazendo nesta tour, músicas como The Dream Is Gone e a belíssima Time and Space, que fazem parte do novo álbum Fool Metal Jack, lançado no dia 30 de abril deste ano...
Estou postado e embasbacado pelo show... Termino o “malt”, finalmente, e quando olho pro lado vem, à minha direção, um amigo de estrada, Lusco Pugnaz... Nos cumprimentamos e ficamos - ele, Boogie e eu - falando sobre como o show tá do caralho... “Vi vocês aqui dentro na área VIP e tive que pular a grade pra ficar aqui também”, explica... Bem que o Tofàres podia ter tido essa ideia... Quando, brincando, falamos que subiríamos no palco, vejo uma garota fazendo justamente isso... Ela dá um abraço e um beijo no rosto do mestre e sai feliz da vida... Quando pensa que não, outra garota também sobe ao palco, já esta eu conheço, trata-se da Gaivota Naves (vocalista da banda Rios Voadores [soundcloud.com/riosvoadores], que possui influência gritante dos Mutantes – inclusive, autodenominam seu estilo como “psicodelia tropicalista contemporânea”)... Um cara que talvez estava trabalhando no som tenta interceptá-la, mas o mestre com a mão direita, ainda com a palheta entre os dedos dá um sinal pro cara de “deixa”... O Sérgio é rockstar demais! Ademais, a Gaivota é uma gatinha... SMACK... Tascou-lhe, fugazmente, uma bitoca na boca... Batizada... “Uh! Eu desbundei!”...
Enquanto nós observávamos a cena, o renomado maestro Rênio Quintas, alucinava à nossa frente com o som... Ele já tava aproveitando, com todo direito (afinal, são Os Mutantes, porra), sua “folga” na noite - ele tava sendo um dos jurados do Festival, em que os 15 artistas participantes concorreriam a premiações como “melhor música”, “melhor arranjo”, “melhor performance”, “melhor interpretação” e “Melhor Produção Original de Música Eletrônica” – se esta última se refere ao que rolou nos intervalos de uma banda a outra, todos deveriam ganhar, já que compartilharam uma única trilha sonora)... Quintas ainda fez uma excelente apresentação com a cantora (sua esposa) Célia Porto...
No decorrer do show, Sérgio Dias conversou com o público e botou pra foder ao falar sobre a situação em que o Brasil se encontra, em relação à politicagem... “É muito bom poder dizer isso tudo aqui, dizer na cara!”, bradava com toda a moral de só quem, aparentemente, passou por uma ditadura militar... Jovens e coroas iam ao delírio com os pronunciamentos do mestre... Eu mesmo cheguei a sentir um calafrio e quase bati continência... Show extremamente extraordinário!!!
Em suma, das maravilhas profanadas, fica aqui um trecho cantado pelo mestre durante a canção El Justicero:
“Dilmazita-ta-ta, deixa de ser banana-na-na...”
Uma noite reunidos numa pessoa só...
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