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domingo, 26 de janeiro de 2014

Medo e Delírio em Taguatinga

(Por Tofàres Ervas)
Em 26/01/2014

Apressado, por volta das 22h15 daquela noite de sexta-feira, véspera do Dia da Independência do Brasil (nos vejo como "Colônias de nós mesmos", brasileiros...), saía de casa e mal sabia que minhas expectativas quanto às loucuras das curtições daquela noite seriam incrivelmente superadas, em relação a vários eventos do mês anterior, tanto em termos de psicodelia (na palpável literalidade da palavra) quanto em termos de admiração quanto às atrações. Foi a noite em que ocorreu a segunda edição do evento "Medo e Delírio em Taguatinga", organizado pela galera da banda Plus Ultra (+Ultra Produções), oriunda de Taguatinga, em que conseguiu algo próximo do "milagre", ao angariar tanta gente em um pub de rock praticamente desconhecido e conseguir reunir tantas boas atrações em um evento só. 

Boto a chave no ponto de partida e corro em direção à casa do Tecàrius Neves, já que a pouco discutimos devido a enrolação em aceitar minha carona e a indecisão de sua "digníssima" para ir ou não ao evento, fato em que se esclareceu depois:  discussão entre mãe e filha. Ao chegar no boteco onde havíamos combinado de nos encontrar, o filho da mãe ainda não está lá, mas não demora muito a chegar e o vejo do outro lado da rua, falando ao celular com a moça e discutindo devido ao fato citado anteriormente. Entro novamente no carro pra esperá-lo e ele diz pra irmos logo pro evento, pois sua esposa não iria mais. Acelero o carro e aproveito o retorno para ir ao Pistão Sul. Ao longo do caminho, Tecàrius mostra-se indignado com o seu celular que não colaborava com o sinal, enquanto tentava resolver o problema com sua esposa, pra ela poder ir ao evento. 

Falávamos das expectativas para aquela noite enquanto passávamos pelo iluminado e cheio Pistão Sul, indo em direção próximo à Universidade Católica de Brasília, fumando cigarros para relaxar. Passávamos em frente à estação de metrô "Taguatinga Sul" quando a esposa de Tecàrius liga novamente, falando que iria ao Medo e Delírio. Ele tenta avisá-la para pegar a câmera fotográfica que estava na casa deles para registrar os momentos, mas, novamente, o celular de algum deles não ajuda e a ligação cai. Os xingamentos e indignação aumentam, entretanto já estamos chegando ao Whiskrytório Pub, local em que iria receber as bandas Plus Ultra, Vintage Vantage, Rios Voadores, e Cassino Supernova, além da plateia louca, vinda de várias partes de Brasília, não só o público taguatinguense.

A ansiedade aumentava, pois ao nos aproximarmos do Whiskrytório, Tecàrius e eu víamos um público já razoável para aquelas precoces 22h30. Além disso, eu esperava Lilamaio chegar ao pub e trazer um pouco do whisky que havíamos comprado há alguns dias e agraciar a noite com sua agradabilíssima presença. Sabíamos que daqui a pouco Ruby (a esposa de Tecàrius) chegaria à parada de ônibus, mas fomos logo adentrando o pub, que já tocava bons clássicos do rock, e íamos cumprimentando alguns amigos e conhecidos. Inclusive, iriam aparecer muitos amigos, pois vários deles haviam confirmado presença via Facebook.

O Whiskrytorio Pub fica localizado na rua descendo a passarela que tem antes da Universidade Católica de Brasília, muito próximo ao boteco Gela Guela, que é bastante frequentado pelos alunos da universidade. O pub é bastante espaçoso, com paredes pintadas de cores não muito claras, bem decorado (têm um quadro muito belo do Pink Floyd), mesa de sinuca, bebida barata e um palco de tamanho razoável com uma cortina marrom ao fundo, para as bandas apresentarem seus trabalhos. Infelizmente, apesar de ser um lugar com tantas qualidades, não é tão bem localizado quanto outros bares que dão espaço para o rock n' roll autoral, como o Kaixa D'Água na CNF ou o América Rock Club, onde ambos têm outros "atrativos" por perto, o que pode entreter com outras opções os clientes. E o pior... o dono do bar provavelmente não o divulga bem, pois muita gente (inclusive eu) demonstrava não conhecer o lugar, mas se maravilhava ao conhecê-lo.

Tecàrius e eu fomos começar os trabalhos alcoólicos antes de nossas queridas "digníssimas" chegarem, o que não demorou muito a ocorrer. Por volta das 23h, indo para o lado de fora do bar fumar um cigarro e pegar um ventinho na cara, vejo Lilamaio chegando na bilheteria, onde nos cumprimentamos com um beijo e um abraço. Pergunto se ela trouxe o whisky, que eu havia dito várias vezes para ela não esquecer, além de uma ponta. Qual não é a minha surpresa ao ela responder com um tristonho "não"? Fico com um pouco de raiva, mas dou uma tragada profunda no cigarro e vou guiando ela pra dentro do bar, para me acalmar via bebidas. Até porque, com as promoções de doses baratas de whisky, isso não seria um problema para mim: chegaríamos em casa e eu beberia mais com ela.


No palco, a primeira banda vai finalizando a preparação dela, com uma leve passagem de som. É a Vintage Vantage (www.facebook.com/vintagevantagedf), uma banda instrumental de Taguatinga que faz um som bastante diferente, com influências psicodélicas mas também bastante divertido, composto por 4 membros, uma guitarra (Lucas Pacífico), bateria (Bruno Mayato), baixo (Caius Cesar) e teclado, que é "pilotado" por uma garota (Gabi Brandão). O bar já devia ter, a essa hora, por volta de 50 presentes, o que dava uma impressão de bar com movimento relativamente promissor. Ao começarem, conseguem com facilidade envolver o público com suas ambientações sonoras exóticas e divertidas, o que faz a maioria dos presentes ficar bem atentos a cada detalhe e aplaudindo o trabalho a cada intervalo entre as músicas. Destaque para o guitarrista, que com poucos recursos (pedais), consegue fazer um som interessante de guitarra para a proposta da banda, além de uma "inesperada" performance.

Durante a apresentação da banda, arrumo uma mesa para sentar junto a Lilamaio, Tecàrius e mais outros amigos. Aproveito e compro uma dose de Jack Daniels que estava a um preço barato (R$10) e uma garrafa de cerveja, para continuar a piração da noite. Percebo que também já estão presentes a maioria dos integrantes das próximas bandas, que também aparentam estar adorando o clima e animação que a festa estava trazendo, pois estavam sempre a sorrir e a beber com muita alegria. Soube mais tarde que alguns deles (colegas) estavam a apreciar os ímpares "sabores psicodélicos" de ácidos lisérgicos, o que tinha simplesmente tudo a ver com aquela noite. Cumprimento mais alguns conhecidos que iam chegando, pensando em como o evento estava funcionando e quais elementos principais para ter sucesso em uma programação assim, pois, normalmente, o público brasiliense custa a valorizar os trabalhos autorais da cidade, visando normalmente os grandes eventos gratuitos de artistas já consagrados, no famoso Museu da República e Esplanada dos Ministérios, só para citar alguns exemplos. Veja bem, não estou falando que os eventos gratuitos são ruins, entende? O excesso deles sim, esse pode ser um problema, pois acaba acomodando demais o público. Porém, parece que os brasilienses, em sua maioria, gostam mais de ir a esse tipo de evento e/ou procuram mais o conforto do trabalho cover, que também é uma alternativa, mas muito injusta com relação aos trabalhos autorais, tendo em vista que certas casas cobram entradas caras para covers e entradas razoáveis, em dias estrategicamente não muito bons, para as bandas autorais. Fazer o que? Gostaria de visualizar uma resolução para esse problema. Óbvio que há artistas ruins em Brasília, mas em contrapartida, há artistas de grandes qualidades também... E algo me diz, pelo sabor, que a porcaria desse Jack Daniels parece muito ser falsificado...

A apresentação da banda Vintage Vantage está próxima do fim e Tecàrius sai da mesa com o celular e volta logo em seguida, me chamando para irmos buscar a sua esposa na parada de ônibus da passarela da Católica, pois já estava um pouco tarde, poderia ser um pouco perigoso e ela também não conhecia o lugar, nem os arredores, que têm muitas profissionais do sexo, traficantes, motéis e casas de strip. Além de ser relativamente deserto, exceto pelos poucos bares. Ao encontrá-la, descobrimos que ela não passou em casa para pegar a câmera fotográfica, o que desanimou um pouco Tecàrius e eu. Foi direto da casa da sua mãe para o evento. Leve maresia de azar.

Ao voltarmos, a banda está apresentando sua última música, enquanto a galera da Rios Voadores está a postos, esperando o término da canção para agilizarem a troca de palco e não deixar o evento/público de braços cruzados por muito tempo. Ruby chega a mesa e cumprimenta todos os presentes, logo se acomodando e pegando uma bebida para si. Aplausos. Cumprimentos e elogios. Sorrisos. Mentes distraídas. Euforia.

A troca de equipamentos no palco não demora, mas nesse meio tempo, chamo meus amigos mais próximos para desfrutarmos o famoso "cigarrinho do artista", convite prontamente aceito por todos. Clássicos do Rock n' Roll nos acompanham até a porta de saída do pub, onde a moça da bilheteria nos marcou com um carimbo para podermos voltar sem ter que pagar nova entrada e para ter um controle melhor dos presentes. Subimos um pouco a rua para não chamar a atenção do bar e pego o baseado que estava no bolso, já pronto para ser acendido. Piadinhas e conversas entre os amigos vão rolando enquanto vou queimando a erva, sem pressa. Comentamos sobre a apresentação da primeira banda, sobre a próxima banda, que havia há pouco tempo sido selecionada como uma das vencedoras das eliminatórias para poderem se apresentar nos palcos do Porão do Rock, evento que tinha ocorrido na semana anterior ao Medo e Delírio e que não fui.

Voltamos mais risonhos e com os olhos mais vermelhos, mas não cansados, para aproveitar a festa. A banda Rios Voadores (www.facebook.com/bandariosvoadores) já estava quase pronta para começar a apresentação, tempo em que aproveito para pegar mais "Combustível da Ilusão", como meu pai apelidou a bebida alcoólica dia desses. Nesse momento, reparo que o bar encheu ainda mais, deve ter por volta de 90 presentes no local. O que ajudou a engrandecer ainda mais a apresentação da banda e das próximas. A Rios Voadores é uma banda relativamentre nova, que traz um som muito influenciado por elementos progressivos, psicodélicos, além dos elementos da Tropicália, juntamente com aquele Rock n' Roll calcado nos anos 60 e 70, com uma pegada similar a Os Mutantes. São seis integrantes que trabalham em prol dessa proposta: Marcelo Moura (guitarra), Gabriel Magalhães (guitarra), Tarso Cardoso (teclado), Hélio Miranda (bateria), Beto Ramos (baixo) e a extremamente pequena e grandemente "frita" Gaivota Naves (vocal), que tem uma performance bem louca em palco. E logo começam a tocar os primeiros acordes, o que faz com que uma parte do público se levante já mais animada e disposta a botar a loucura e energia pra fora, direcionando para a banda, que devolveria com intensidade aos presentes, instigando-os ainda mais. A essa altura, com uma nova garrafa de cerveja e já razoavelmente alterado, também me solto mais na festa, juntamente com Lilamaio, que também estava começando a ficar alcoolizada. Não lembro da sequencia de música que eles tocaram... tinha uma que provavelmente se chama "Cenouras" ou algo do tipo, que ficou na minha cabeça por ter uma boa cadência, além de Brasil de Ponta-Cabeça, que provavelmente é a "música de trabalho" da banda. Pelo menos tem cara.
Mais gente chegando e apreciando a boa festa. Não tinha mais como dar errado, o público já estava entregue, Sem Medo e Puro Delírio. Via-se já muitas pessoas alcoolizadas e ainda mais contentes, seja pela noite que estava desenrolando e superando expectativas, seja pelo simples efeito do álcool no sangue, turbilhando a mente com pensamentos. Somado ao som muito bem executado e tresloucado da banda. O único foda era pra pegar cerveja. Como estava ainda mais lotado que antes (devia ter por volta de 100 pessoas, pra mais), além da grande fila desordenada, os funcionários do pub eram somente três e estavam perdidos com tanta gente, provavelmente eles não estavam esperando que lotasse tanto, pois como já disse anteriormente, o trabalho de divulgação do estabelecimento é muito fraco, logo, um bar desconhecido. Fora isso, estava tudo bem. Demasiadamente bem! Bem até demais, pois estava começando a sentir também os efeitos dos "sabores psicodélicos" que havia degustado ainda antes de começar a apresentação da Vintage Vantage e logo estava começando ouvir com maior nitidez as conversas engraçadas, alcoólicas, "filosóficas" e estranhas dos presentes. Sensação engraçada, ainda mais quando você já está bêbado de um nível que o sorriso sempre está estampado na cara.

A apresentação da Rios Voadores foi muito chamativa, agradou bastante a todos, ou pelo menos a maioria dos que ali estavam. Em um momento inesperado da apresentação, a vocalista Gaivota Naves tira a blusa, o que atrai vários olhares para ela, tanto dos homens, quanto das mulheres. Lilamaio fez uma careta cômica para mim quando isso ocorreu, como se dissesse "que ridículo, não precisava" e me deu um abraço, fazendo eu olhar pra ela. E o show já estava prestes a terminar, pois reparei que a galera da banda Plus Ultra já se posicionava para fazer o mesmo procedimento que a Rios fez após a primeira banda. Brindamos. Sem falar nada. Como se celebrássemos pela noite de insensatez e delírio. E principalmente por nós e pelos nossos sentimentos ébrios daqueles momentos.


E foi assim, com a vida brindando a nós que entra no palco a banda Plus Ultra (www.facebook.com/plusultra.df), mas a vida é traiçoeira e traiçoeiros são os seus filhos que a transformam em sombra nos versos cantados a seguir. Estávamos bêbados e os integrantes da banda também, portanto, a psicodelia continua. É um som diferente e mexe com o público, já bastante ousado devido ao uso de variadas substâncias. É formada por quatro integrantes: Devin (vocal), Anderson Vilanova (guitarra), Luiz Paulo (baixo) e Lucas Pacífico (bateria), o mesmo rapaz que toca guitarra na Vintage Vantage. Marvin Stòma, um dos nossos amigos que se encontravam à nossa mesa, realiza uma performance e de acordo com a música ou não, nos mostra a adrenalina da noite. Lilamaio e Ruby posicionadas de frente aos músicos curtem bastante o show, mesmo sabendo que este não é o melhor desempenho do grupo, devido o alto teor alcoólico e o grande entusiasmo pela realização do evento, produzido por eles. Mas é compreensível. No frisson do sucesso da festa, depois de grande correria para sua organização, nada mais justo que a loucura tome conta da banda. E realmente uma banda "louca" e diferente. Com uma proposta musical variada, sem rótulos e altamente experimental, com ambientações diversas e letras em forma de poesia nitidamente calcada nos problemas interiores, angústias, medos, receios e indiferenças do homem para com ele e para com os outros. A banda conduz a festa em seu momento mais "dark", onde apesar de estarem em condições adversas com eles mesmos, o público interage muito bem, assimilando essa distinta massa sonora. E as letras em português com essas temáticas, fazem eu e alguns presentes ficarem bastante reflexivos quanto aos obstáculos de nossas vidas e a condução dela.

Após uma apresentação nervosa mas que foi se estabilizando ao longo do show, eles vão finalizando o show com a única música em inglês deles, que se inicia com um Rock n' Roll mais clássico, porém em seu interlúdio já muda de faceta (o que é uma característica percebida ao longo da apresentação das outras músicas) para um clima soul/funk onde ocorre um solo "incendiário" e, logo após, uma mudança para um samba, onde o vocalista "apropria-se" de um trecho da musica de Carlos Lyra (Influência do Jazz), fazendo vários dos presentes dançarem juntos. Enquanto isso, a última banda da noite, Cassino Supernova (www.facebook.com/supernovacassino), vai se aprontando ao lado do palco. 

A banda já tem um razoável renome na cidade, onde já tocaram em vários festivais aqui em Brasília, como o Porão do Rock, além de festivais em outros estados. É diretamente influenciada pelo rock dos anos 60, bem divertido e dançante. É formada por Gorfo (vocal), Gustavo Halfeld (guitarra), Raphael Valadares (guitarra), Pedro Souto (baixo) e Márlon Costa (bateria). Porém, no dia desse show, o baixista original não pôde comparecer pois estava em São Paulo tocando com o Alf, outro artista brasiliense. Em seu lugar, convocaram Carlos Beleza, que na verdade toca guitarra em outras bandas mas soube cuidar muito bem do trabalho.

Já estava bastante alterado após o show da Plus Ultra e resolvi ir com Lilamaio pra fora do estabelecimento esfriar as ideias. Decidimos ficar do lado de fora para ver a apresentação da Cassino, pois como já havíamos visto várias vezes antes, já sabíamos da qualidade do som e da energia deles em palco. Gorfo sempre muito pilhado, conduz o fim da festa junto com seus companheiros, mantendo o público tão energizado quanto no início.

Após essa noite atribulada, reflito em como Brasília ainda tem um arsenal poderoso de bandas autorais, todas LOUCAS para mostrarem seu trabalho e serem reconhecidas na sua cidade, sem falsidade, mas simplesmente buscando mostrar seus trabalhos para quem quiser conhecer. E também, estava agraciado pela boa festa de Rock n' Roll estilo "inferninho", onde todos os presentes deram folga aos seus anjos e chamaram seus demônios para várias doses de Medo, Delírio, Bebedeira e Rock n' Roll. 

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